Marcha da Familia com Deus, em apoio aos militares. Jornal do Brasil: Sexta-feira, 20 de março de 1964. |
Os movimentos sociais não ocorrem por acaso. Eles têm origem nas contradições da sociedade, o que leva parcelas ou toda uma população a buscar formas de conquistar ou reconquistar espaços democráticos negados pela classe no poder.
No Brasil, os dez anos que sucederam o Ato Institucional n.
5 geraram extraordinários e heróicos espaços de resistência social. O AI-5
resultou da inconformidade das alas mais à direita do sistema militar com as
manifestações de oposição ao regime do movimento estudantil e políticos civis
que haviam formado uma frente ampla reunindo desde o deposto presidente João
Goulart até o seu mais feroz adversário, o ex-governador do Rio de Janeiro
Carlos Lacerda. Aquele foi o instrumento jurídico que possibilitou ao governo
fechar o Congresso Nacional, suspender garantias constitucionais e instalar
efetivamente no país a Doutrina da Segurança Nacional formulada pela Escola
Superior de Guerra (ESG).
A Doutrina da Segurança Nacional partia do princípio de que
a sociedade era vulnerável e a democracia frágil para enfrentar o seu insidioso
inimigo - o comunismo internacional. Assim, justificava-se qualquer brutalidade
cometida pelo governo para “salvar” a família brasileira e seus valores
“humanistas e cristãos”. Sequestros, torturas, perseguições variadas tinham sua
legitimidade assegurada com base na “guerra” que o sistema travava contra a
guerrilha urbana e rural.
O Brasil conheceu raros intervalos democráticos, um deles
foi o período entre a posse de João Goulart e o golpe militar de 1964. A
história do país foi marcada por sua longa tradição de arbítrio político
imposto pelas classes dominantes, disfarçado, aqui e ali, pela vigência de
legislação destinada a, teoricamente, preservar os direitos individuais e
políticos. Em Vida e Morte da ditadura – 20 anos de autoritarismo no Brasil,
Nelson Werneck Sodré explica que nesse período, caracterizado pelas acesas
controvérsias, pela acirrada luta política, pelo afloramento e desenvolvimento
das contradições, pelo questionamento democrático de soluções, as forças
reacionárias e o imperialismo compuseram-se e operaram esforços organizados e
sistemáticos para desferir o golpe definitivo.
Eles começaram pelo controle dos meios de comunicação de
massa, através dos quais exerceram intensa propaganda de seus objetivos, ao
mesmo tempo que mobilizavam a opinião contra o regime e aqueles que o
encarnavam. Essa ação pertinaz e continuada visou principalmente as Forças
Armadas para coloca-las em condições de intervir no momento escolhido. A
reação, assim alimentada e conjugada ao imperialismo, montou, desde logo, um
instrumento adequado à luta eleitoral, o Instituto Brasileiro de Ação
Democrática (IBAD). Este financiou centenas de candidatos nos pleitos
eleitorais e tornou-se uma força política mais poderosa que os partidos.
A história do IBAD consta dos arquivos da Comissão
Parlamentar de Inquérito que investigou a sua estrutura e os seus processos. A
reação vitoriosa em 1964 cassou os mandatos de todos os parlamentares que
haviam tido a ousadia de tentar apurar aquelas ações. Em seguida, uma vez que a
intervenção do imperialismo nas eleições resultara em fragorosa derrota, a
reação criou outro instrumento, o Instituto de Pesquisas e Estudos Social
(IPES), destinado a articular, para ações conspirativas e para todo tipo de
iniciativas, os elementos capazes de resistir à pressão democrática e a servir
os propósitos golpistas em andamento.
A história do IPES, organizado por banqueiros e empresários
e comandado na prática por agentes da CIA, está também contada em detalhes,
pelo desvendamento de seus arquivos, no livro de René Armand Dreifuss,
intitulado “1964: a conquista do Estado”. Reunindo políticos, empresários e
militares, o IPES constituiu a peça principal para a montagem da operação que,
deflagrada em 1964, estabeleceu a ditadura militar e impôs ao país, com o AI-5,
um regime fascista sob o qual não só as franquias democráticas desapareceram
como foram realizadas operações destinadas a estabelecer o controle econômico,
político e militar do país. Tudo isso sob o comando direto dos Estados Unidos,
a que se submeteram, como de praxe, os elementos nacionais ligados à
conspiração. Estabelecida a ditadura fascista e gerado o “modelo brasileiro de
desenvolvimento”, também apelidado, pela propaganda organizada, de “milagre
econômico”, foi estruturado um aparelho de Estado apto a manter a política
adotada, impondo-a a toda a nação, vencidas as últimas resistências.
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