A estreita relação de Roberto Marinho com o general Costa e
Silva; de braço dado com o general João Figueiredo; e com Antônio Carlos
Magalhães, nos tempos da ditadura militar.
|
No começo dos anos 70 muito se dizia e pouco se comunicava por todo o país. Os meios de comunicação de massa, se bem que estivessem sob rigorosa censura, recebiam grandes incentivos econômicos e fiscais o que favorecia uma rápida modernização de suas instalações. A televisão teve um crescimento extraordinário depois do golpe militar de 1964. Através dela, o novo regime pôde consolidar-se tanto em termos ideológicos, utilizando-a amplamente para impor suas mensagens de desenvolvimentismo e segurança, não só por meio dos enredos de ficção e dos programas jornalísticos, mas também por meio de maciças campanhas propagandísticas institucionais. Como também em termos econômicos, valeu-se dela para acelerar a reprodução do capital, por meio do aumento de consumo de produtos manufaturados pelas classes médias.
Não há dúvida de que a propagação dos aparelhos de televisão
por todo o país e na maioria dos domicílios foi uma política traçada de forma
premeditada e dentro de um plano global de consolidação do poder político e do
modelo econômico. Assim, foi dada prioridade absoluta à instalação de uma rede
de microondas capaz de atingir todo o território nacional, ao mesmo tempo em
que se incentivou a produção e o consumo de aparelhos receptores e a tecnologia
de TV em cores. Da mesma forma, foram oferecidas vantagens para que uma rede
nacional de TV, a Rede Globo, se instalasse por todo o país, muitas vezes
burlando a própria Constituição.
O estabelecimento de um convênio entre a Globo e o grupo
norte-americano Time-Life foi amplamente denunciado, inclusive por
parlamentares do próprio partido do governo, como o senador João Calmon, que em
1965 também era presidente da Associação Brasileira de Rádio e Televisão
(ABERT). Este convênio, de duvidosa validade legal, lhe deu condições de, a
partir do ano de 1969, assumir um virtual monopólio da audiência no Brasil
inteiro, com índices médios em torno de 70% do total de aparelhos ligados na
Nação.
Conforme Carlos Eduardo Lins da Silva relata em “As brechas da indústria cultural Brasileira”, em 1986, a
televisão era um bem presente em 54,9% dos domicílios brasileiros, enquanto em
1970 esta percentagem era de 24,1%. Mas nas áreas urbanas, os números sobem
para 73,1% dos domicílios e, nas grandes cidades, ultrapassa a casa dos 90%.
Além disso, há de se considerar que em muitas cidades do interior é comum a
instalação de aparelhos receptores nas praças públicas, onde se concentram as
pessoas para assistirem à programação. Nas cidades há aparelhos em bares e é
comum o hábito de pessoas irem todas as noites às casas daqueles que têm TV.
Desse modo, a verdadeira tarefa de comunicar e relacionar os
acontecimentos ocorridos nos círculos do poder, no interior da sociedade civil
e entre os movimentos populares coube, efetivamente, à imprensa alternativa e
popular, apesar de todas as limitações. Na medida em que surgiam pólos de
resistência social apareciam os meios de comunicação, quer através de
intelectuais de oposição ou de grupos partidários, que, corajosamente, lançavam
jornais tablóides (chamados no início de imprensa nanica), quer através das
publicações que surgiam nas CEBs, Associações de Moradores, Sociedades de
Amigos de Bairro, Movimento do Custo de Vida, Favelados, Movimento de Terrenos
Clandestinos, no meio operário e no meio rural.
A comunicação popular no interior dos grupos de base foi
decorrente de processos anteriores. Entre os anos 60/64, o Brasil viveu uma
extraordinária experiência de cultura popular, através dos Centros de Cultura
Popular (CCPs), do Movimento de Cultura Popular, etc. É também dessa época o
Movimento de Educação de Base e o Método Paulo Freire. Todos esses movimentos,
duramente reprimidos após 64, ressurgiram lentamente e com outras
características após 1970. Então, muitos dos militantes dos movimentos da cultura
e da educação popular dos anos 60 integraram-se na tarefa de trabalho de base.
O golpe de 64 havia mostrado que não bastava realizar
trabalho de massa. Era preciso conscientizar as classes trabalhadoras
brasileiras, um trabalho lento, de formiga, que ampliava os ensinamentos da
etapa anterior e assimilava, com outras características, a proposta de Paulo
Freire aliada aos ensinamentos de Antônio Gramsci. Muitos desses antigos
militantes que puderam permanecer no país passaram a trabalhar junto com a Igreja.
O método Paulo Freire, por exemplo, foi amplamente utilizado pelas Comunidades
Eclesiais de Base, através de discussões, da maneira de preparar as reuniões,
do trabalho lento dos agentes pastorais, tirando os grupos do mutismo. Não se
falava de Paulo Freire, cuja obra estava proibida, mas empregavam-se os seus
métodos.
Nessa fase, além das CEBs, a Igreja criou a Pastoral
Operária, a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário e
apoiou a criação de vários centros de documentação e educação popular em todo o
país. Regina Festa explica em “Comunicação
popular e alternativa no Brasil” que esses centros terão papel
fundamental na recriação de uma educação mais comprometida com o nível de
consciência da classe subalterna. Desses centros, saiu toda uma produção de
folhetos, cadernos de estudo, material para reflexão, cartazes, volantes,
audiovisuais, filmes, programas de rádio, material para grupos de mães,
favelados, operários, comissões de direitos humanos, alfabetização, além de um
material novo para as campanhas, novenas, festas litúrgicas, etc.
As CEBs, por sua constituição que privilegiava a fala, a
relação interpessoal, a formação de seus participantes a partir da convivência
fraterna e cotidiana, constituíram-se no maior espaço de comunicação, de
hominização como explica Paulo Freire, em A Pedagogia do Oprimido: A
"hominização" opera-se no momento em que a consciência ganha a
dimensão da transcendentalidade. Nesse instante, liberada do meio envolvente,
despega-se dele, enfrenta-o, num comportamento que a constitui como consciência
do mundo. Nesse comportamento, as coisas são objetivadas, isto é, significadas
e expressadas: o homem as diz. A palavra instaura o mundo do homem. A palavra,
como comportamento humano, significante do mundo, não designa apenas as coisas,
transforma-as; não é só pensamento, é "práxis". Assim considerada, a
semântica é existência e a palavra viva plenifica-se no trabalho.
As reuniões, como conta Frei Betto, eram verdadeiros jornais
falados, nos quais as pessoas expressavam a fé, discutiam o cotidiano, as
lutas de reivindicação, a solidariedade com algum vizinho ou comunidade
próxima, a situação do bairro, do país e até mesmo da América Latina. O culto,
muitas vezes preparado pelos membros das CEBs, era o único espaço onde se podia
falar e comunicar fatos importantes à comunidade. Os mutirões e as festas eram
espaços sobretudo de formação e troca, fazendo emergir a riqueza da cultura
própria, através de cânticos, poemas, músicas, cordel, mamulengo, teatro, etc.
Os dias de estudo e encontros de discussão eram espaços nos quais se dava uma
troca intercomunidades, na maior parte das vezes, fazendo ampliar a prática e a
riqueza de experiências diferenciadas.
Autores mais recentes afirmam que as CEBs constituíam uma
verdadeira universidade popular. De fato, no seu interior produziu-se já nos
anos 70 uma rica interação entre educação, cultura e comunicação popular a
partir do resgaste das próprias experiências, da formação de seus participantes
e dos instrumentos de comunicação utilizados para apoiar esse processo.
Além disso, a imprensa operária, apesar da repressão, não
deixou de existir. Era clandestina, feita em mimeógrafo e distribuída de mão em
mão. Um dos boletins mais importantes desse período foi o "Luta Sindical",
que nasceu em 1976, expressando a consolidação do trabalho político de uma
frente de metalúrgicos de oposição que se agrupava em torno à sigla OSM,
Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. A OSM também lançou a proposta das
"Comissões de Fábrica", nos moldes gramscianos. Além disso, a equipe
tinha panfletos, cadernos de estudo e de formação.
No campo também surgiram várias e pequenas publicações.
Apesar da cultura popular ainda ser o recurso mais apropriado para um processo
eminentemente interpessoal de comunicação. A Comissão Pastoral da Terra (CPT),
por exemplo, já em 75 lançou o Boletim Nacional da CPT que apoiava a Reforma
Agrária, denunciava a grilagem de terra, a ação predatória dos grandes projetos
agropecuários, apoiava a luta por sindicatos livres e a formação de oposições
sindicais, CEBs, etc. Sua circulação, entretanto, era restrita.
A crise que obrigou o governo militar a discutir a
"abertura" política também marcou o movimento sindical e popular. O
momento era de indefinição apresentando contradições que norteavam o fim de um
sistema de poder e o período de articulação de outro por iniciar-se. Os
movimentos careciam de uma condução política capaz de englobar o desejo de
mudança que a Nação exigiria nos anos seguintes.
Nesse período, início da década de 1980, os meios de
comunicação de massa lograram impor três temáticas que dominaram a preocupação
e a consciência da sociedade brasileira: crise econômica, violência e sucessão
presidencial, apontando a ausência de perspectiva. A comunicação alternativa e
popular viveu o mesmo clima de indefinições, sem estratégias, propostas e
avanços significativos. Naqueles dias nada parecia indicar que milhões de
brasileiros sairiam às ruas exigindo eleições diretas, democracia e
desenvolvimento e que essa força social em refluxo retomaria com maior vigor um
papel protagônico no cenário brasileiro.
Entretanto, um novo sintoma já estava aparecendo: a adoção
de novas tecnologias como resultado de uma outra etapa de desenvolvimento
localizado e seletivo que chegaria mais tarde. O Brasil começava a entrar, em
caráter irreversível, na era da eletrônica (nova etapa de aliança com o capital
internacional, apesar da Lei de Informática e de Reserva de Mercado), abrindo
consequentemente a possibilidade de uso alternativo dessas tecnologias por
setores dos movimentos sociais. Da mesma forma que o Estado e o sistema
econômico-financeiro se informatizavam, apareciam as novas experiências. No
Rio de Janeiro foi criado o Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica
(IBASE), que utilizava a informática a serviço dos movimentos sociais.
Na área sindical alguns sindicatos adotaram o uso do
computador, telex e videocassete a fim de dinamizar e racionalizar o trabalho
de formação, informação e organização dos trabalhadores e do movimento popular.
Em centros e instituições de documentação, educação e comunicação popular,
esses sinais apareciam com o uso do videocassete e das primeiras discussões
sobre a viabilidade do computador e das redes alternativas de informática e
telex a serviço das organizações populares. O Brasil começava a fabricar
computadores, e os diversos componentes dessa indústria que deverá alterar num
futuro próximo o quadro das relações sociais e dos valores numa dimensão ainda
difícil de quantificar.
Conforme Regina Festa, a experiência brasileira mostra
claramente que a comunicação popular e alternativa aparece, se desenvolve e
reflui na mesma medida da capacidade de os movimentos sociais articularem o seu
projeto alternativo de sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário