sexta-feira, 14 de março de 2014

Capítulo 5 - A imprensa oficial e a comunicação popular

A estreita relação de Roberto Marinho com o general Costa e Silva; de braço dado com o general João Figueiredo; e com Antônio Carlos Magalhães, nos tempos da ditadura militar.

No começo dos anos 70 muito se dizia e pouco se comunicava por todo o país. Os meios de comunicação de massa, se bem que estivessem sob rigorosa censura, recebiam grandes incentivos econômicos e fiscais o que favorecia uma rápida modernização de suas instalações. A televisão teve um crescimento extraordinário depois do golpe militar de 1964. Através dela, o novo regime pôde consolidar-se tanto em termos ideológicos, utilizando-a amplamente para impor suas mensagens de desenvolvimentismo e segurança, não só por meio dos enredos de ficção e dos programas jornalísticos, mas também por meio de maciças campanhas propagandísticas institu­cionais. Como também em termos econômicos, valeu-se dela para acelerar a reprodução do capital, por meio do aumento de consumo de produtos manufaturados pelas classes médias.

Não há dúvida de que a propagação dos aparelhos de televisão por todo o país e na maioria dos domicílios foi uma política traçada de forma premeditada e dentro de um plano global de consolidação do poder político e do modelo econômico. Assim, foi dada prioridade absoluta à instalação de uma rede de microondas capaz de atingir todo o território nacional, ao mesmo tempo em que se incentivou a produção e o consumo de aparelhos receptores e a tecnologia de TV em cores. Da mesma forma, foram oferecidas vanta­gens para que uma rede nacional de TV, a Rede Globo, se instalasse por todo o país, muitas vezes burlando a própria Constituição.

O estabelecimento de um convênio entre a Globo e o grupo norte-americano Time-Life foi amplamente denunciado, inclusive por parlamentares do próprio partido do governo, como o senador João Calmon, que em 1965 também era presidente da Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT). Este convênio, de duvidosa validade legal, lhe deu condições de, a partir do ano de 1969, assumir um virtual monopólio da audiência no Brasil inteiro, com índices médios em torno de 70% do total de aparelhos ligados na Nação.

Conforme Carlos Eduardo Lins da Silva relata em “As brechas da indústria cultural Brasileira”, em 1986, a televisão era um bem presente em 54,9% dos domicílios brasileiros, enquanto em 1970 esta percentagem era de 24,1%. Mas nas áreas urbanas, os números sobem para 73,1% dos domicílios e, nas grandes cidades, ultrapassa a casa dos 90%. Além disso, há de se considerar que em muitas cidades do interior é comum a instalação de aparelhos receptores nas praças públicas, onde se concentram as pessoas para assistirem à programação. Nas cidades há aparelhos em bares e é comum o hábito de pessoas irem todas as noites às casas daqueles que têm TV.

Desse modo, a verdadeira tarefa de comunicar e relacionar os acontecimentos ocorridos nos círculos do poder, no interior da sociedade civil e entre os movimentos populares coube, efetiva­mente, à imprensa alternativa e popular, apesar de todas as limi­tações. Na medida em que surgiam pólos de resistência social apareciam os meios de comunicação, quer através de intelectuais de oposição ou de grupos partidários, que, corajosamente, lançavam jornais tablóides (chamados no início de imprensa nanica), quer através das publicações que surgiam nas CEBs, Associações de Moradores, Sociedades de Amigos de Bairro, Movimento do Custo de Vida, Favelados, Movimento de Terrenos Clandestinos, no meio operário e no meio rural.

A comunicação popular no interior dos grupos de base foi decorrente de processos anteriores. Entre os anos 60/64, o Brasil viveu uma extraordinária experiência de cultura popular, através dos Centros de Cultura Popular (CCPs), do Movimento de Cultura Popular, etc. É também dessa época o Movimento de Educação de Base e o Método Paulo Freire. Todos esses movimentos, duramente reprimidos após 64, ressurgiram lentamente e com outras características após 1970. Então, muitos dos militantes dos movimentos da cultura e da educação popular dos anos 60 integraram-se na tarefa de trabalho de base.

O golpe de 64 havia mostrado que não bastava realizar trabalho de massa. Era preciso conscientizar as classes trabalhadoras brasileiras, um trabalho lento, de formiga, que ampliava os ensinamentos da etapa anterior e assimilava, com outras características, a proposta de Paulo Freire aliada aos ensinamentos de Antônio Gramsci. Muitos desses antigos militantes que puderam permanecer no país passaram a trabalhar junto com a Igreja. O método Paulo Freire, por exemplo, foi amplamente utilizado pelas Comunidades Eclesiais de Base, através de discussões, da maneira de preparar as reuniões, do trabalho lento dos agentes pastorais, tirando os grupos do mutismo. Não se falava de Paulo Freire, cuja obra estava proibida, mas empregavam-se os seus métodos.

Nessa fase, além das CEBs, a Igreja criou a Pastoral Operária, a Comissão Pastoral da Terra, o Conselho Indigenista Missionário e apoiou a criação de vários centros de documentação e educação popular em todo o país. Regina Festa explica em “Comunicação popular e alternativa no Brasil” que esses centros terão papel fundamental na recriação de uma educação mais comprometida com o nível de consciência da classe subalterna. Desses centros, saiu toda uma produção de folhetos, cadernos de estudo, material para reflexão, cartazes, volantes, audiovisuais, filmes, programas de rádio, material para grupos de mães, favelados, operários, comissões de direitos humanos, alfabetização, além de um material novo para as campanhas, novenas, festas litúrgicas, etc.

As CEBs, por sua constituição que privilegiava a fala, a relação interpessoal, a formação de seus participantes a partir da convivência fraterna e cotidiana, constituíram-se no maior espaço de comunicação, de hominização como explica Paulo Freire, em A Pedagogia do Oprimido: A "hominização" opera-se no momento em que a consciência ganha a dimensão da transcendentalidade. Nesse instante, liberada do meio envolvente, despega-se dele, enfrenta-o, num comportamento que a constitui como consciência do mundo. Nesse comportamento, as coisas são objetivadas, isto é, significadas e expressadas: o homem as diz. A palavra instaura o mundo do homem. A palavra, como comportamento humano, significante do mundo, não designa apenas as coisas, transforma-as; não é só pensamento, é "práxis". Assim considerada, a semântica é existência e a palavra viva plenifica-se no trabalho.

As reuniões, como conta Frei Betto, eram verdadeiros jornais falados, nos quais as pessoas expressavam a fé, discutiam o coti­diano, as lutas de reivindicação, a solidariedade com algum vizinho ou comunidade próxima, a situação do bairro, do país e até mesmo da América Latina. O culto, muitas vezes preparado pelos membros das CEBs, era o único espaço onde se podia falar e comunicar fatos importantes à comunidade. Os mutirões e as festas eram espaços sobretudo de formação e troca, fazendo emergir a riqueza da cultura própria, através de cânticos, poemas, músicas, cordel, mamulengo, teatro, etc. Os dias de estudo e encontros de discussão eram espaços nos quais se dava uma troca intercomunidades, na maior parte das vezes, fazendo ampliar a prática e a riqueza de experiências diferenciadas.

Autores mais recentes afirmam que as CEBs constituíam uma ver­­dadeira universidade popular. De fato, no seu interior produziu-se já nos anos 70 uma rica interação entre educação, cultura e comu­­nicação popular a partir do resgaste das próprias experiências, da formação de seus participantes e dos instrumentos de comunicação utilizados para apoiar esse processo.

Além disso, a imprensa operária, apesar da repressão, não deixou de existir. Era clandestina, feita em mimeógrafo e distribuída de mão em mão. Um dos boletins mais importantes desse período foi o "Luta Sindical", que nasceu em 1976, expressando a consolidação do trabalho político de uma frente de metalúrgicos de oposição que se agrupava em torno à sigla OSM, Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. A OSM também lançou a proposta das "Comissões de Fábrica", nos moldes gramscianos. Além disso, a equipe tinha panfletos, cadernos de estudo e de formação.

No campo também surgiram várias e pequenas publicações. Apesar da cultura popular ainda ser o recurso mais apropriado para um processo eminentemente interpessoal de comunicação. A Comissão Pastoral da Terra (CPT), por exemplo, já em 75 lançou o Boletim Nacional da CPT que apoiava a Reforma Agrária, denunciava a grilagem de terra, a ação predatória dos grandes projetos agrope­cuários, apoiava a luta por sindicatos livres e a formação de oposições sindicais, CEBs, etc. Sua circulação, entretanto, era restrita.
A crise que obrigou o governo militar a discutir a "abertura" política também marcou o movimento sindical e popular. O momento era de indefinição apresentando contradições que norteavam o fim de um sistema de poder e o período de articulação de outro por iniciar-se. Os movimentos careciam de uma condução política capaz de englobar o desejo de mudança que a Nação exigiria nos anos se­guin­tes.

Nesse período, início da década de 1980, os meios de comunicação de massa lograram impor três temáticas que dominaram a preocupação e a consciência da sociedade brasileira: crise econômica, violência e sucessão presidencial, apontando a ausência de perspectiva. A comunicação alternativa e popular viveu o mesmo clima de indefinições, sem estratégias, propostas e avanços significativos. Naqueles dias nada parecia indicar que milhões de brasileiros sairiam às ruas exigindo eleições diretas, democracia e desenvolvimento e que essa força social em refluxo retomaria com maior vigor um papel protagônico no cenário brasileiro.

Entretanto, um novo sintoma já estava aparecendo: a adoção de novas tecnologias como resultado de uma outra etapa de desenvol­vimento localizado e seletivo que chegaria mais tarde. O Brasil começava a entrar, em caráter irreversível, na era da eletrônica (nova etapa de aliança com o capital internacional, apesar da Lei de Informática e de Reserva de Mercado), abrindo consequentemente a possibilidade de uso alternativo dessas tecnologias por setores dos movimentos sociais. Da mesma forma que o Estado e o sistema econômico-financeiro se informatizavam, apareciam as novas expe­riências. No Rio de Janeiro foi criado o Insti­tuto Brasileiro de Análise Social e Econômica (IBASE), que utilizava a informática a serviço dos movimentos sociais.

Na área sindical alguns sindicatos adotaram o uso do computador, telex e videocassete a fim de dinamizar e racionalizar o trabalho de formação, informação e organização dos trabalhadores e do movimento popular. Em centros e instituições de documentação, educação e comunicação popular, esses sinais apareciam com o uso do videocassete e das primeiras discussões sobre a viabilidade do computador e das redes alternativas de informática e telex a serviço das organizações populares. O Brasil começava a fabricar computadores, e os diversos componentes dessa indústria que deverá alterar num futuro próximo o quadro das relações sociais e dos valores numa dimensão ainda difícil de quantificar.

Conforme Regina Festa, a experiência brasileira mostra claramente que a comunicação popular e alternativa aparece, se desenvolve e reflui na mesma medida da capacidade de os movimentos sociais articularem o seu projeto alternativo de sociedade.

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