Na época da Copa de 1970, o Brasil vivia o auge do que foi chamado de “Milagre Econômico”, que aconteceu de 1969 a 1973, coincidindo com o governo do presidente general Emílio Garrastazu Médici. |
A farsa do dito "milagre econômico" não durou muito. Nos meados dos anos 1970, a crise se tornou por demais evidente. Segundo o professor gaúcho Luiz Roberto Lopez descreveu em seu livro História do Brasil Contemporâneo, a crise decorreu de quatro motivos principais.
Em primeiro lugar, os mercados que sustentavam o “milagre”
já não mais puderam fazê-lo. O limitado mercado interno disponível estava
saturado e o externo começou a se retrair não só devido à crise internacional,
mas também por causa da concorrência de outros produtos com mão-de-obra barata.
Em segundo lugar, a queda do preço da soja, após uma fase especulativa,
aproveitando a conjuntura favorável na Bolsa de Chicago, arruinou muitos
agricultores e estimulou o êxodo rural. Delfim Neto chegou a defender a
situação a partir do argumento de que forneceria mão-de-obra barata para as
fábricas.
Segundo Lopez, o problema da soja revela como penetrou no
campo o modelo capitalista e seus resultados. A agricultura, privilegiando a
exportação, reforçou sua tendência histórica de beneficiar os lucros da minoria
em detrimento das necessidades da maioria. O elevado custo da modernização do
campo (tratores e fertilizantes) e do crédito rural facilitaram a concentração
da propriedade agrícola. Mais ainda, os alimentos industrializados, destinados
a um setor social com poder de compra, passaram a fazer crescente concorrência
aos alimentos naturais.
Os seguintes dados, apresentado por Lopez, são reveladores
do tipo de agricultura que se praticou no país na fase do “milagre”: entre 1961
e 1963, o Brasil produzia 652kg de feijão por hectare plantado, ao passo que,
em 1979/80, produziu 484kg. Por outro lado, considerando os mesmos períodos, a
produção de soja subiu de 1051 para 1469kg, devido ao fato de ser um cereal
exportável. Em 1964, exportava-se 9,7% da produção agrícola, enquanto que, nos
anos 90, exportava-se 22,5%. Paralelamente a isso, registre-se que o número de
desnutridos subiu de 27 milhões, entre 1961/63, o que representava 38% da
população, para 86 milhões, em 1984/85, ou seja, 65% da população. Houve então
um aumento de 59 milhões de pessoas desnutridas no país.
Em terceiro lugar, outro fator que também evidencia a crise
do modelo econômico do período autoritário é o endividamento externo. Entre
1964 e 1981, a dívida externa subiu 25 vezes, sendo que 73% dela era de
particulares e 27% do Estado. Esse endividamento serviu para sustentar um
crescimento econômico que em nada beneficiou as classes populares. Parte dele
foi porque o governo financiou importações, visando os interesses das
multinacionais aqui instaladas. Exemplo disso foi o subsídio da importação de
fios de cobre para a fabricação de TVs a cor. Outro motivo foi a necessidade de
importar produtos alimentícios que estavam em falta, já que o modelo agrário
era exportador. Além dos empréstimos externos destinados a financiar importação
de petróleo e servir de capital de giro às empresas.
É interessante ainda lembrar a Resolução 63, do Banco
Central, de 21 de agosto de 1967, que incentivou as empresas particulares a
buscarem dólares diretamente no exterior. Finalmente, durante o governo Geisel,
como os banqueiros internacionais tinham grande estoque de petrodólares
acumulados, o Brasil foi estimulado a fazer empréstimos externos, os quais
vieram a financiar obras faraônicas, de valor duvidoso (Usina de Itaipu, Usina
Angra I, ferrovia do aço, etc.).
Os banqueiros internacionais não podiam deixar o dinheiro
parado nos bancos e o Brasil veio a pagar caro por isso. O professor Luiz
Roberto Lopez explica que no governo Reagan, com o objetivo de deter a sangria
de dólares, a Casa Branca susteve programas de auxílio externo, exceto auxílio
militar, e valorizou o dólar, fato que elevou assustadoramente as taxas
internacionais de juro. Delfim Neto, então titular da Seplan, ainda apostando
no modelo exportador, desvalorizou o cruzeiro para tornar nossas mercadorias
mais competitivas lá fora e assim captar os recursos que permitiriam pagar a
dívida.
Simultaneamente com isso, como as empresas brasileiras estavam agora buscando dólares no BC ao invés de no exterior, o governo se viu obrigado a fazer novos empréstimos. Só que agora a curto prazo, para escapar dos juros escorchantes, fato que desencadeou as famosas negociações com o FMI e provocou uma mobilização nacional, pois ao atingir em cheio os pontos nevrálgicos do problema social, elas foram vistas como um atentado à soberania. Nesse momento, o que até então era uma questão financeira e técnica tornou-se política, de interesse popular e integrada no contexto mais amplo da contestação ao próprio modelo econômico.
Simultaneamente com isso, como as empresas brasileiras estavam agora buscando dólares no BC ao invés de no exterior, o governo se viu obrigado a fazer novos empréstimos. Só que agora a curto prazo, para escapar dos juros escorchantes, fato que desencadeou as famosas negociações com o FMI e provocou uma mobilização nacional, pois ao atingir em cheio os pontos nevrálgicos do problema social, elas foram vistas como um atentado à soberania. Nesse momento, o que até então era uma questão financeira e técnica tornou-se política, de interesse popular e integrada no contexto mais amplo da contestação ao próprio modelo econômico.
Um quarto fator da crise do “milagre brasileiro” foi a
evasão de divisas e a consequente sangria de recursos financeiros do país. As
multinacionais empregaram o artifício do superfaturamento na compra de
matérias-primas às matrizes para mandar mais lucro para fora do que os 12% do
capital inscrito no Banco Central e permitidos por lei. Um bom exemplo de tal
mecanismo é o fato de que em 1980, precisando de sulfato de gentamicina, as
multinacionais da farmácia pagaram por ele no mercado externo 8 mil dólares por
quilo, quando o preço que vigorava era de 2,3 mil dólares.
Além disso, contribuíram para a sangria de divisas do país
as facilidades sobre remessas de juros, um verdadeiro convite ao capital
especulativo. Ante a crise do mercado, diversas multinacionais começaram a
investir na especulação financeira, de preferência na produção. Em 1977, a
Volkswagem (do Brasil) lucrou, no mercado financeiro, 5931% mais do que
vendendo veículos automotores (Revista Brasil Hoje, outubro de 1981). E o
próprio governo auxiliou tal processo quando fez uma reforma cambial, em
dezembro de 1979, reduzindo o imposto sobre remessa de juros para fora, de 25%
para 1,25%.
Ao iniciar a crise, a tendência do regime foi culpar os
árabes de terem aumentado o preço do petróleo. O que era uma falácia que servia
de cortina às mazelas de um modelo que privilegiava a concentração de renda e a
exportação. O crescimento do Brasil era decidido pelo capital internacional. Nesse
período houve dois aumentos importantes do petróleo – 232% em 1973 e 174% em
1979. Alega-se às vezes que o primeiro aumentos, o que causou maior impacto,
deveu-se a uma atitude de represália dos árabes por causa do apoio do Ocidente
à Israel na Guerra Destino/Yom Kippur. Todavia, é necessário notar que houve
outra causa, Compensar a desvalorização do dólar decretada por Nixon,
considerando que o barril de petróleo era cotado em dólar.
Quanto a Nixon, decidira desvalorizar o dólar para tornar as
mercadorias norte-americanas mais competitivas em face da concorrência japonesa
e alemã. Para o Brasil, a crise do petróleo se mostrou a fragilidade de apoiar
todo um projeto desenvolvimentista em fatores tão circunstanciais e fora de
controle das decisões internas, como a exportação e o petróleo barato, ou
socialmente tão perigosos, como fonte potencial de rebeldia e contestação, como
o achatamento salarial.
Bernardo Kucinsky observa que a participação dos mais pobres
na renda nacional era de 17,7% em 1960, 14,4% em 1970 e 11,8% em 1976, ao passo
que a dos 5% mais ricos subiu, nas mesmas datas, de 27,74% para 34,8% e 39%.
Esses dados são significativos para se verificar que o modelo econômico adotado
pelo regime militar marginalizou uma maior parcela da população. Como bem
assinalou o economista Pedro Dutra Fonseca, o capitalismo necessariamente se
fundamenta na desigualdade.
Entretanto, o capitalismo brasileiro, nestes anos
de ditadura, foi mais que desigual, foi excludente. Excluiu completamente do
mercado grandes parcelas da sociedade e restringiu ao extremo o espaço de
negociação. Portanto, para se manter, ele dependeria da combinação, que nunca
poderia durar, de uma vigorosa repressão interna como uma efêmera euforia
internacional.
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