terça-feira, 11 de março de 2014

Capítulo 2 - O falso milagre

Na época da Copa de 1970, o Brasil vivia o auge do que foi chamado de “Milagre Econômico”, que aconteceu de 1969 a 1973, coincidindo com o governo do presidente general Emílio Garrastazu Médici.

A farsa do dito "milagre econômico" não durou muito. Nos meados dos anos 1970, a crise se tornou por demais evidente. Segundo o professor gaúcho Luiz Roberto Lopez descreveu em seu livro História do Brasil Contemporâneo, a crise decorreu de quatro motivos principais.

Em primeiro lugar, os mercados que sustentavam o “milagre” já não mais puderam fazê-lo. O limitado mercado interno disponível estava saturado e o externo começou a se retrair não só devido à crise internacional, mas também por causa da concorrência de outros produtos com mão-de-obra barata. Em segundo lugar, a queda do preço da soja, após uma fase especulativa, aproveitando a conjuntura favorável na Bolsa de Chicago, arruinou muitos agricultores e estimulou o êxodo rural. Delfim Neto chegou a defender a situação a partir do argumento de que forneceria mão-de-obra barata para as fábricas.

Segundo Lopez, o problema da soja revela como penetrou no campo o modelo capitalista e seus resultados. A agricultura, privilegiando a exportação, reforçou sua tendência histórica de beneficiar os lucros da minoria em detrimento das necessidades da maioria. O elevado custo da modernização do campo (tratores e fertilizantes) e do crédito rural facilitaram a concentração da propriedade agrícola. Mais ainda, os alimentos industrializados, destinados a um setor social com poder de compra, passaram a fazer crescente concorrência aos alimentos naturais.

Os seguintes dados, apresentado por Lopez, são reveladores do tipo de agricultura que se praticou no país na fase do “milagre”: entre 1961 e 1963, o Brasil produzia 652kg de feijão por hectare plantado, ao passo que, em 1979/80, produziu 484kg. Por outro lado, considerando os mesmos períodos, a produção de soja subiu de 1051 para 1469kg, devido ao fato de ser um cereal exportável. Em 1964, exportava-se 9,7% da produção agrícola, enquanto que, nos anos 90, exportava-se 22,5%. Paralelamente a isso, registre-se que o número de desnutridos subiu de 27 milhões, entre 1961/63, o que representava 38% da população, para 86 milhões, em 1984/85, ou seja, 65% da população. Houve então um aumento de 59 milhões de pessoas desnutridas no país.

Em terceiro lugar, outro fator que também evidencia a crise do modelo econômico do período autoritário é o endividamento externo. Entre 1964 e 1981, a dívida externa subiu 25 vezes, sendo que 73% dela era de particulares e 27% do Estado. Esse endividamento serviu para sustentar um crescimento econômico que em nada beneficiou as classes populares. Parte dele foi porque o governo financiou importações, visando os interesses das multinacionais aqui instaladas. Exemplo disso foi o subsídio da importação de fios de cobre para a fabricação de TVs a cor. Outro motivo foi a necessidade de importar produtos alimentícios que estavam em falta, já que o modelo agrário era exportador. Além dos empréstimos externos destinados a financiar importação de petróleo e servir de capital de giro às empresas.

É interessante ainda lembrar a Resolução 63, do Banco Central, de 21 de agosto de 1967, que incentivou as empresas particulares a buscarem dólares diretamente no exterior. Finalmente, durante o governo Geisel, como os banqueiros internacionais tinham grande estoque de petrodólares acumulados, o Brasil foi estimulado a fazer empréstimos externos, os quais vieram a financiar obras faraônicas, de valor duvidoso (Usina de Itaipu, Usina Angra I, ferrovia do aço, etc.).

Os banqueiros internacionais não podiam deixar o dinheiro parado nos bancos e o Brasil veio a pagar caro por isso. O professor Luiz Roberto Lopez explica que no governo Reagan, com o objetivo de deter a sangria de dólares, a Casa Branca susteve programas de auxílio externo, exceto auxílio militar, e valorizou o dólar, fato que elevou assustadoramente as taxas internacionais de juro. Delfim Neto, então titular da Seplan, ainda apostando no modelo exportador, desvalorizou o cruzeiro para tornar nossas mercadorias mais competitivas lá fora e assim captar os recursos que permitiriam pagar a dívida.

Simultaneamente com isso, como as empresas brasileiras estavam agora buscando dólares no BC ao invés de no exterior, o governo se viu obrigado a fazer novos empréstimos. Só que agora a curto prazo, para escapar dos juros escorchantes, fato que desencadeou as famosas negociações com o FMI e provocou uma mobilização nacional, pois ao atingir em cheio os pontos nevrálgicos do problema social, elas foram vistas como um atentado à soberania. Nesse momento, o que até então era uma questão financeira e técnica tornou-se política, de interesse popular e integrada no contexto mais amplo da contestação ao próprio modelo econômico.

Um quarto fator da crise do “milagre brasileiro” foi a evasão de divisas e a consequente sangria de recursos financeiros do país. As multinacionais empregaram o artifício do superfaturamento na compra de matérias-primas às matrizes para mandar mais lucro para fora do que os 12% do capital inscrito no Banco Central e permitidos por lei. Um bom exemplo de tal mecanismo é o fato de que em 1980, precisando de sulfato de gentamicina, as multinacionais da farmácia pagaram por ele no mercado externo 8 mil dólares por quilo, quando o preço que vigorava era de 2,3 mil dólares.

Além disso, contribuíram para a sangria de divisas do país as facilidades sobre remessas de juros, um verdadeiro convite ao capital especulativo. Ante a crise do mercado, diversas multinacionais começaram a investir na especulação financeira, de preferência na produção. Em 1977, a Volkswagem (do Brasil) lucrou, no mercado financeiro, 5931% mais do que vendendo veículos automotores (Revista Brasil Hoje, outubro de 1981). E o próprio governo auxiliou tal processo quando fez uma reforma cambial, em dezembro de 1979, reduzindo o imposto sobre remessa de juros para fora, de 25% para 1,25%.

Ao iniciar a crise, a tendência do regime foi culpar os árabes de terem aumentado o preço do petróleo. O que era uma falácia que servia de cortina às mazelas de um modelo que privilegiava a concentração de renda e a exportação. O crescimento do Brasil era decidido pelo capital internacional. Nesse período houve dois aumentos importantes do petróleo – 232% em 1973 e 174% em 1979. Alega-se às vezes que o primeiro aumentos, o que causou maior impacto, deveu-se a uma atitude de represália dos árabes por causa do apoio do Ocidente à Israel na Guerra Destino/Yom Kippur. Todavia, é necessário notar que houve outra causa, Compensar a desvalorização do dólar decretada por Nixon, considerando que o barril de petróleo era cotado em dólar.

Quanto a Nixon, decidira desvalorizar o dólar para tornar as mercadorias norte-americanas mais competitivas em face da concorrência japonesa e alemã. Para o Brasil, a crise do petróleo se mostrou a fragilidade de apoiar todo um projeto desenvolvimentista em fatores tão circunstanciais e fora de controle das decisões internas, como a exportação e o petróleo barato, ou socialmente tão perigosos, como fonte potencial de rebeldia e contestação, como o achatamento salarial.

Bernardo Kucinsky observa que a participação dos mais pobres na renda nacional era de 17,7% em 1960, 14,4% em 1970 e 11,8% em 1976, ao passo que a dos 5% mais ricos subiu, nas mesmas datas, de 27,74% para 34,8% e 39%. Esses dados são significativos para se verificar que o modelo econômico adotado pelo regime militar marginalizou uma maior parcela da população. Como bem assinalou o economista Pedro Dutra Fonseca, o capitalismo necessariamente se fundamenta na desigualdade. 

Entretanto, o capitalismo brasileiro, nestes anos de ditadura, foi mais que desigual, foi excludente. Excluiu completamente do mercado grandes parcelas da sociedade e restringiu ao extremo o espaço de negociação. Portanto, para se manter, ele dependeria da combinação, que nunca poderia durar, de uma vigorosa repressão interna como uma efêmera euforia internacional.

No final da década de 1970, a euforia interna e internacional já se achava matizada de desconfianças e pessimismos. Ruindo a euforia, ruiu junto o arcabouço do Estado autoritário, por tanto tempo sustentado pelos Atos Institucionais.

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