Com as manifestações estudantis de 1977 e o começo das
greves operárias em 1978, a resistência à ditadura passa a utilizar os métodos
da classe operária.
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No plano do movimento popular tem-se que ressaltar o papel das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que, apoiadas pela Igreja Católica, surgem aos milhares no campo e na cidade. As CEBs compõem-se de pequenos núcleos nos quais as pessoas se reúnem animadas pela fé cristã e, através do qual o trabalhador rural, a dona de casa, o jovem, o operário, etc, descobrem os significados da morte e da injustiça e, a partir do próprio Evangelho, buscam identificar os ideais de vida e de transformação da sociedade.
Para Ralph Della Cava, em seu artigo “A Igreja e a Abertura,
1974-1985”, através da organização de cerca de 80 mil CEBs por toda a extensão
do território do país, a hierarquia eclesiástica brasileira (que conta com 358
bispos, ocupando o segundo lugar no mundo católico romano, menor apenas que a
hierarquia italiana) surgiu no final desta década como um dos mais importantes
"porta-vozes" das classes subalternas da nação.
Além disso, diz Cava, que do ponto de vista da Igreja, as
CEBs se converteram em uma forma alternativa de organização do culto e,
simultaneamente, em "escolas" para educar os explorados na defesa de
seus direitos humanos inalienáveis. Enfim, foi a partir da experiência das CEBs
e várias outras estruturas ligadas à Igreja, como a "Comissão Pastoral da
Terra", que emergiu uma crítica poderosa, de uma ótica popular, ao
capitalismo brasileiro e uma defesa igualmente vigorosa de uma nova ordem
socialista.
O clero de São Paulo, recrutado em nível internacional,
inspirado pela Segunda Conferência dos Bispos da América Latina, que se
realizara em Medellín (Colômbia) no mês de outubro de 1968, com frequência
perseguido pelo regime, buscava uma volta à fraternidade e a igualdade do
cristianismo original. Seus quadros leigos - na maioria católicos, mas entre os
quais se incluíam também muitos marxistas - traziam consigo uma experiência
política anterior, às vezes clandestina, e preocupações políticas características
da situação do momento, na medida em que outros "espaços sociais" se
encontravam sob estrita vigilância do regime.
Por sua vez, os teólogos da libertação (cujas obras só
começaram a aparecer no início dos anos 70) acharam mais fácil trazer suas
teologias "de volta à terra" no quadro específico das CEBs, enquanto
os pedagogos da Igreja, especialmente afinados com a linguagem da classe
operária, desenvolviam técnicas de aplicação da exegese bíblica aos problemas
sociais à sua volta. E então, num desenvolvimento paralelo, intelectuais da
Igreja "retrabalharam" completamente o campo da religiosidade
"de folk" (algumas vezes designada como religiosidade popular ou
catolicismo popular), até então condenada como "superstição". As
crenças e práticas dos analfabetos eram agora apreciadas como fontes
potenciais de transformação pessoal e coletiva.
Em 1978, a situação social era uma panela de pressão prestes
a explodir. Pequenos focos de resistência social manifestavam-se em quase todo
o país. Na região industrial de São Bernardo (SP), a situação era crítica. Os operários
haviam descoberto a manipulação dos índices de reajuste salarial através de
falsos percentuais de aumento da inflação nos anos de 72, 73 e 74, quando
Delfim Neto era Ministro da Fazenda. Chamados pelas novas lideranças, os
operários iniciaram mobilizações nas fábricas e no Sindicato dos Metalúrgicos
de São Bernardo, sob a direção de Lula, pela reposição salarial. Até que no dia
12 de maio de 1978 estourou a greve na Scania-Vabis e, em seguida, na Mercedes,
Ford e em cerca de trezentas outras fábricas em alguns estados do Brasil. Naquele momento e apesar de todo o trabalho de formação dos operários que
existiu nos anos de repressão, o movimento grevista e a mobilização pela
reposição obedeciam mais a uma explosão humana do que efetivamente à consciência
de classe dos operários.
Como afirma Simone Weil, em “A racionalização”, o operário
não sofre somente da insuficiência do pagamento. Ele sofre porque na atual
sociedade está relegado a um nível inferior, porque está reduzida a uma espécie
de servidão. A insuficiência dos salários é apenas uma consequência dessa
inferioridade e dessa servidão. A classe operária sofre por estar sujeita à
vontade arbitrária dos quadros dirigentes da sociedade, que lhe impõe, fora da
fábrica, o seu padrão de existência e, dentro da fábrica, suas condições de
trabalho. Os sofrimentos suportados dentro da fábrica por causa da
arbitrariedade patronal pesam tanto na vida de um operário quanto as privações
suportadas fora da fábrica por causa da insuficiência dos salários.
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