quinta-feira, 13 de março de 2014

Capítulo 4 - A retomada da luta

Com as manifestações estudantis de 1977 e o começo das greves operárias em 1978, a resistência à ditadura passa a utilizar os métodos da classe operária.

No plano do movimento popular tem-se que ressaltar o papel das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) que, apoiadas pela Igreja Católica, surgem aos milhares no campo e na cidade. As CEBs compõem-se de pequenos núcleos nos quais as pessoas se reúnem animadas pela fé cristã e, através do qual o trabalhador rural, a dona de casa, o jovem, o operário, etc, descobrem os significados da morte e da injustiça e, a partir do próprio Evangelho, buscam identificar os ideais de vida e de transformação da sociedade.

Para Ralph Della Cava, em seu artigo “A Igreja e a Abertura, 1974-1985”, através da organização de cerca de 80 mil CEBs por toda a extensão do território do país, a hierarquia eclesiástica brasileira (que conta com 358 bispos, ocupando o segundo lugar no mundo católico romano, menor apenas que a hierarquia italiana) surgiu no final desta década como um dos mais importantes "porta-vozes" das classes subalternas da nação.

Além disso, diz Cava, que do ponto de vista da Igreja, as CEBs se converteram em uma forma alter­nativa de organização do culto e, simultaneamente, em "escolas" para educar os explorados na defesa de seus direitos humanos inalienáveis. Enfim, foi a partir da experiência das CEBs e várias outras estruturas ligadas à Igreja, como a "Comissão Pastoral da Terra", que emergiu uma crítica poderosa, de uma ótica popular, ao capitalismo brasileiro e uma defesa igualmente vigorosa de uma nova ordem socialista.

O clero de São Paulo, recrutado em nível internacional, inspirado pela Segunda Conferência dos Bispos da América Latina, que se realizara em Medellín (Colômbia) no mês de outubro de 1968, com frequência perseguido pelo regime, buscava uma volta à fraternidade e a igualdade do cristianismo original. Seus quadros leigos - na maioria católicos, mas entre os quais se incluíam também muitos marxistas - traziam consigo uma experiência política anterior, às vezes clandestina, e preocupações políticas carac­terísticas da situação do momento, na medida em que outros "espaços sociais" se encontravam sob estrita vigilância do regime.

Por sua vez, os teólogos da libertação (cujas obras só começaram a aparecer no início dos anos 70) acharam mais fácil trazer suas teologias "de volta à terra" no quadro específico das CEBs, enquanto os pedagogos da Igreja, especialmente afinados com a linguagem da classe operária, desenvolviam técnicas de aplicação da exegese bíblica aos problemas sociais à sua volta. E então, num desenvolvimento paralelo, intelectuais da Igreja "retrabalharam" completamente o campo da religiosidade "de folk" (algumas vezes designada como religiosidade popular ou catolicismo popular), até então condenada como "superstição". As crenças e práticas dos anal­fa­betos eram agora apreciadas como fontes potenciais de trans­formação pessoal e coletiva.

Em 1978, a situação social era uma panela de pressão prestes a explodir. Pequenos focos de resistência social manifestavam-se em quase todo o país. Na região industrial de São Bernardo (SP), a si­tuação era crítica. Os operários haviam descoberto a manipulação dos índices de reajuste salarial através de falsos percentuais de aumento da inflação nos anos de 72, 73 e 74, quando Delfim Neto era Ministro da Fazenda. Chamados pelas novas lideranças, os operários iniciaram mobilizações nas fábricas e no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo, sob a direção de Lula, pela reposição salarial. Até que no dia 12 de maio de 1978 estourou a greve na Scania-Vabis e, em seguida, na Mercedes, Ford e em cerca de trezentas outras fábricas em alguns estados do Brasil. Naquele momento e apesar de todo o trabalho de formação dos operários que existiu nos anos de repressão, o movimento gre­vista e a mobilização pela reposição obedeciam mais a uma explosão humana do que efetivamente à cons­ciência de classe dos operários.

Como afirma Simone Weil, em “A racionalização”, o operário não sofre somente da insuficiência do pagamento. Ele sofre porque na atual sociedade está relegado a um nível inferior, porque está reduzida a uma espécie de servidão. A insuficiência dos salários é apenas uma consequência dessa inferioridade e dessa servidão. A classe operária sofre por estar sujeita à vontade arbitrária dos quadros dirigentes da sociedade, que lhe impõe, fora da fábrica, o seu padrão de existência e, dentro da fábrica, suas condições de trabalho. Os sofrimentos suportados dentro da fábrica por causa da arbitrariedade patronal pesam tanto na vida de um operário quanto as privações suportadas fora da fábrica por causa da insuficiência dos salários.

A partir desse momento, entretanto, a classe operária redefiniu a correlação de forças da sociedade brasileira e a sua própria constituição como classe para si, capaz de propor um outro projeto de sociedade.

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