Os EUA derrubaram o presidente do Brasil?
Arquivos recém-abertos revelam toda a influência dos
americanos no golpe de 64. Eles bancaram os golpistas, tinham tropas prontas
para intervir e seu favorito sucedeu Jango. Não é conspiração: É História.
Reportagem: Jennifer Ann Thomas/ Edição: Emiliano Urbim
John Kennedy tinha um brinquedo novo. Quando os convidados
chegaram, o presidente apertou um botão escondido na lateral de sua mesa,
acionando um microfone ali no Salão Oval e um gravador no porão da Casa Branca.
Era a estreia de uma engenhoca secreta que registrou 260 horas de conversas
sigilosas.
Olha que coincidência: a primeira gravação é sobre o Brasil.
Das 11h52 às 12h20 de 30 de julho de 1962, debateu-se o futura e a fritura do
presidente João Goulart. O embaixador americano no Brasil, Lincoln Gordon,
disse que Jango estava “dando a porcaria do país de graça para os...”
“...comunistas”, completou Kennedy. O assessor Richard Goodwin ressaltou:
“podemos muito bem querer que os militares brasileiros tomem o poder no final
do ano”. Isso quase dois anos antes do golpe de 64.
Desde 1961, com a chocante renúncia de Jânio Quadros e a
conturbada posse de Jango, as reuniões de Kennedy sobre nosso país eram
monotemáticas: como impedir que o Brasil se tornasse uma gigantesca Cuba?
Apesar disso, Lincoln Gordon, embaixador no Rio de 1961 e 66, morreu em 2009,
aos 96 anos, negando que os americanos teriam participado do golpe. Durante e
após a ditadura, que foi até 1985, muitos pesquisadores brasileiros
menosprezaram o papel dos americanos, tachando investigações nesse sentido de
paranoia e teoria da conspiração. Mas documentos revelados nos últimos anos
contam uma história diferente, que vai sendo revelada aos poucos.
Parte desse material ganhou destaque no documentário O Dia
que Durou 21 Anos, da dupla de filho e pai Camillo e Flávio Tavares – autor de
um grande livro sobre a luta contra o regime, Memórias do Esquecimento. O filme
apresenta gravações e documentos oficiais e expõe justamente a articulação do
governo americano e dos militares brasileiros contra Jango. Arquivos
recém-abertos nos EUA estão mexendo até com obras definitivas: os quatro livros
do jornalista Elio Gaspari serão reeditados levando em conta as gravações
clandestinas de Kennedy e de seu sucessor Lyndon Johnson. E ainda há muito a
ser revelado: Carlos Fico, historiador da UFRJ, estima que mesmo com a Lei de
Acesso à Informação ainda não se analisou nem 20% dos arquivos dos órgãos de
repressão brasileiros.
De qualquer forma, as informações disponíveis já permitem
cravar: Jango caiu com um empurrão dos Estados Unidos. O governo americano
instigou os militares, financiou a oposição, boicotou a economia e tinha tropas
e navios prontos se fosse necessário intervir. Não foi. Em boa parte, graças ao
próprio João Goulart, um presidente que até hoje desafia classificação.
Leia a íntegra da matéria na Revista Superinteressante
(março/2014)
Lá e cá – os passos do golpe no Brasil e nos EUA
30 de março
22h – No Rio, Jango faz um discurso inflado: “o golpe que
desejamos é o das reformas de base”. É a deixa para quem desejava outro golpe.
23h – Telegrama do secretário de Estado Dean Rusk para o
embaixador americano Lincoln Gordon: “pode ser a última boa oportunidade para
apoiar uma ação contra Goulart”.
31 de março
31 de março
5h – O general Olympio Mourão Filho, em Juiz de Fora (MG),
aciona conspiradores do Rio. “Desencadeei uma revolução de pijama”, anotou em
seu diário.
7h – Chega a Washington um telegrama dizendo que o levante
começou em Juiz de Fora. A CIA confirma uma hora depois.
9h – O aeroporto de Brasília é fechado.
11h – Lincoln Gordon avida Washington que Mourão é “um
oportunista”. O “dispositivo", militares encarregados de combater o golpe,
fica de sobreaviso.
12h30 – A Marinha dos EUA envia uma esquadra que chegaria ao
Brasil em 8 de abril. É a operação Brother Sam: 1 porta-aviões, 6
contratorpedeiros, 1 porta-helicópteros e 4 petroleiros.
13h30 – Em conversa telefônica, o presidente Johnson sabe do
levante e diz: “devemos estar preparados para fazer tudo”.
15h – O prédio do Ministério da Guerra se divide: golpistas
controlam do quinto ao oitavo andar, e governistas, os andares acima e abaixo.
17h – JK vai ao Palácio Laranjeiras e sugere que Jango faça
uma pronunciamento conciliador.
22h – O líder das tropas paulistas, Amaury Kruel, liga para
Jango e pede que ele demita seus ministros de esquerda. Jango se recusa.
22h30 – O marechal Lima Brayner recebe o adido militar
americano em seu apartamento e lhe informa: “Kruel acaba de lançar um
manifesto”. Vernon Walters responde: “Graças a Deus!”
23h – As tropas cariocas que enfrentariam as de Juiz de Fora
aderem ao golpe.
1 de abril
Madrugada – Generais golpistas Castello Branco e Costa e
Silva mudam de esconderijo várias vezes.
8h – Na Rádio Nacional se ouve que Jango recebeu empresários
e divulgou nota anunciando “a fidelidade das Forças Armadas”. Tudo mentira.
11h – Jango é informado que o governo dos EUA reconheceria
quem o derrubasse.
12h – Gordon avisa Washington que as forças oposicionistas
estão crescendo. Jango deixa o Rio em direção a Brasília – o dispositivo falhou.
13h15 – Um encontro na Casa Branca com o presidente Johnson
e seu alto escalão de política externa decide não fazer nenhuma declaração
pró-golpe – isso só ajudaria Jango.
17h30 – Em teleconferência, Gordon declara a vitória da “rebelião
democrática”, diz que a renúncia de Jango será seguida da posse do presidente
da Câmara, Ranieri Mazzilli e informa que Castello Branco dispensou apoio
americano.
18h – Castello sai da clandestinidade. É recebido como novo
ministro do Exército. O golpe venceu.
22h30 – Acuado em Brasília, Jango voa para Porto Alegre.
Meia-noite – A presidência é declarada vaga. Assume o
presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli – que já assumira quando Jango
renunciou.
2 de abril
Madrugada – Em Porto Alegre, Jango se encontra com Brizola e
tem crise de choro.
11h45 – Jango voa para sua fazenda em São Borja (RS), onde
estava sua família.
13h – A estação principal da CIA no Brasil relata que João
Goulart entrou para o exílio no Uruguai, marcando a vitória oficial do golpe de
estado.
18h – Em uma teleconferência, o embaixador Lincoln Gordon
comenta a ida de Jango para Montevidéu com uma saudação jubilosa: “Cheers!”
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